top of page

Racismo no futebol e na vida: o caso Vini Júnior

Por Mario Maurici


Neste 6 de junho a Assembleia Legislativa de São Paulo comemora o Dia de Libertação da África, ou “Dia da África”, em Ato Solene para lembrar a luta contra a colonização europeia. Comemorada mundialmente em 25 de maio, a data marca o 60ª aniversário da Organização da Unidade Africana, hoje União Africana.


A realização do evento neste ano ganha particular relevância quando assistimos aos crescentes atos racistas na sociedade, muitos deles nos estádios de futebol e, em particular, nos gramados europeus. Se, por um lado, comemoramos a emancipação de nações africanas do domínio colonialista europeu dos séculos XIX e XX, por outro assistimos indignados as manifestações de preconceito, xenofobia e racismo justamente da parte dos outrora dominadores.


Assim, o lamentável episódio de racismo envolvendo o jogador de futebol do Real Madri, o brasileiro Vini Júnior, na partida contra o Valência pelo campeonato espanhol precisa ser tratado com toda a complexidade que o tema merece. Não bastam as louváveis e necessárias manifestações de solidariedade ao atleta por parte da sociedade civil ou das autoridades brasileiras e internacionais. Ou mesmo punição severa (leia-se cadeia) pela justiça espanhola aos envolvidos na demonstração de barbárie que manchou o futebol mundial.


Colocar meia dúzia de torcedores racistas espanhóis na cadeia não vai resolver o problema que é estrutural, assim como é no Brasil e em boa parte dos demais países. Com o futebol cada vez mais globalizado, multirracial e envolvendo cifras que facilmente atingem a casa dos bilhões de dólares, medidas urgentes e rigorosas devem ser adotadas em escala mundial.


Como aponta o jornalista e escritor Franklin Foer, em “Como o futebol explica”, logo no início de seu livro: “O futebol é mais do que um esporte, ou mesmo um modo de vida; abrange questões complexas que ultrapassam a arte do jogo. Envolve interesses reais - capazes de arruinar regimes políticos e deflagrar movimentos de libertação. Os clubes de futebol espelham classes sociais e ideologias políticas, e frequentemente inspiram uma devoção mais intensa que as religiões”.


Nada mais acertado e atual ao constatar o triste episódio de Vini Jr., e de tantos outros atletas negros. Não por acaso, acontecimentos envolvendo preconceitos têm crescido na mesma medida que a extrema direita avança em muitos países democráticos. O lamentável, e agora histórico, caso do craque Vini Jr. precisa sair das fronteiras estritamente futebolísticas, uma vez que Fifa, confederações e federações que regem a modalidade mostram-se inoperantes, coniventes ou omissas para tratar do problema.


Ficou flagrante a tentativa – frustrada, diga-se – de “passada de pano” da liga espanhola em minimizar o episódio, restringindo-se a seus protocolos burocráticos que não dão conta da dimensão de casos como os do jogador brasileiro, ponta esquerda e principal nome hoje do Real Madrid. Basta lembrar que somente o futebol representa 1% do PIB espanhol, com cifras milionárias que passam por toda uma cadeia econômica, a produtiva e a financeira. A mancha do racismo no futebol não afasta apenas patrocinadores dos times, mas impacta a produção de materiais esportivos, a mídia, entre tantos outros setores.


O erro na abordagem do episódio por parte das autoridades do futebol do país hispânico foi não ter dimensionado adequadamente a repercussão mundial que o caso ganhou. Entrevistas desastrosas do principal cartola da chamada “La Liga” (a confederação espanhola, que organiza o campeonato nacional), a condução do jogo e até mesmo o VAR da partida se corrompeu ali.


Aliás, no âmbito mais estrito do esporte, não são poucas as possíveis sanções a serem adotadas para combater torcedores fascistas: perda de pontos no torneio ou mando de campo, multas pecuniárias. E, por que não o rebaixamento do clube para as séries inferiores? Medidas que devem ser analisadas, consensualizadas e postas em prática por aqueles que administram o futebol e seguida por seus praticantes, sejam os profissionais da bola ou os torcedores. Mas urgem serem adotadas com rigor sob pena de o comportamento racista tornar-se cada vez mais presente no panorama do esporte.


Como defendemos aqui, precisam ser adotadas iniciativas com regras padronizadas a uniformizar o exercício do antirracismo no futebol pelos gramados de todo mundo, com as mesmas punições para todos.


Se os critérios são comuns para adoção dos cartões vermelho ou amarelo nas contendas dos estádios tanto nos hemisférios norte ou sul, o mesmo deve acontecer nas iniciativas de combate ao racismo e outros crimes de ódio. Se a medida a ser tomada é perda de pontos no campeonato, rebaixamento de divisão ou suspensão de jogos na casa do time da torcida infratora, sejam quais forem - e é fundamental que sejam tão duras quanto o grau da ofensa proferida pelas arquibancadas -, elas também precisam ser adotadas por todos e em toda parte, de modo a sinalizar a gravidade do racismo e demais crimes de ódio em sua totalidade.


E se as entidades do futebol devem sancionar seus clubes federados, não se deve deixar de lado as punições individualizadas a partir dos códigos penais de cada país envolvido em tal crime. Com o rigor da punição aos próprios clubes, que também devem ser responsabilizados pelo comportamento de seus torcedores, acreditamos que a própria torcida pode ser um agente fiscalizador e inibidor de ações reprováveis que possam prejudicar suas próprias agremiações.


Aliás, e em tempo, crimes de ódio no esporte vão bastante além do racismo. Há pouco tempo assistimos a outro lamentável episódio justamente envolvendo meu time do coração, o Corinthians, cuja torcida em coro partiu para ofensas de teor homofóbico contra o rival São Paulo. Apesar de minha paixão alvinegra, não posso deixar de registrar o amargor em verificar tal ocorrido e as manifestações tímidas por parte da diretoria do Parque São Jorge. Registre-se, no entanto, que boa parte da torcida corintiana, como o CDC – Coletivo Democracia Corintiana, posicionaram-se contra o comportamento dos seus pares de arquibancada e fizeram jus ao lema “time de todos”.


Racismo, homofobia, xenofobia, entre outros, historicamente lastreiam o ideário fascista. Combater tais crimes é enfrentar o fascismo da extrema-direita em qualquer área em que ele se apresente. Como presidente da comissão de Relações Internacionais da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), trabalhamos pelo respeito e integração nas interações com as mais variadas nações. São os pressupostos básicos da vida democrática e é nosso dever preservá-los sempre, seja nas mais altas cúpulas políticas e econômicas do planeta assim como no mais modesto estádio de futebol de um clube das divisões inferiores do esporte.


Afinal, o futebol sempre teve a aura de ser a modalidade mais democrática dentre as demais, permitindo que todos, ricos ou pobres, negros ou brancos, participem do mesmo espetáculo em paridade de condições. E que o comportamento civilizado e humano nas arquibancadas daqui para frente se respeita na nossa vida cotidiana. É nosso dever atuar para que seja sempre assim.

bottom of page