A violência nas escolas infelizmente passou a marcar a entrada de um novo e triste espectro a rondar a sociedade brasileira. Um tipo de violência que ocorria com pouca frequência no país, mas ganhou ampla dimensão nos últimos dois anos.
A partir do inominável massacre de quatro crianças, com outras cinco feridas, numa escola de Blumenau (SC) no dia 5 de abril o Brasil passou a conviver sob o domínio do medo de novas ocorrências violentas contra crianças, adolescentes e profissionais da educação.
Pelas redes sociais trafegaram mensagens sobre ataques que aconteceriam preferencialmente entre os dias 12 e 20 de abril, uma data simbólica e não escolhida por acaso. O dia 20 de abril é aniversário de Adolf Hitler, umas das figuras responsáveis pelo Holocausto na 2ª Guerra Mundial. Nesse mesmo dia aconteceu o massacre de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999, quando dois alunos mataram 12 colegas e um professor, deixando ainda 21 feridos.
Em razão do clima de pânico gerado pela onda de ameaças digitais, várias escolas não tiveram aulas e um outro tanto delas ficou com classes praticamente vazias. Conforme os dados oficiais da Polícia Civil de São Paulo foram registradas 279 ameaças a escolas a partir do ambiente virtual. No Paraná, foram identificados 40 adolescentes e outros 13 apreendidos por espalhar supostos atentados.
Na esfera social veio a cobrança, na política foram tomadas medidas emergenciais, evidentemente, imprescindíveis diante daquele cenário. Mas que poderiam e deveriam ter sido discutidas e adotadas bem antes de acontecer a tragédia de Blumenau ou a onda de ameaças digitais de meados de abril.
Os dados apontam que apenas nos anos de 2022 e 2023 foram registrados mais ataques em escolas no Brasil do que nos últimos 20 anos. Foram 22 ataques a escolas entre outubro de 2002 e a abril de 2023, 13 deles aconteceram nos últimos dois anos.
A concentração de ataques nos últimos dois anos pode ser explicada por vários fatores, dada sua natureza complexa. Mas, com certeza, algumas das principais causas são a maior facilidade de acesso a armas de fogo, promovida sob um discurso de estímulo ao armamentismo, e a proliferação dos discursos de ódio nas plataformas digitais.
Não foram poucas as autoridades nos níveis federal, estadual e municipal a adotarem medidas de enfrentamento da situação. O governo de São Paulo anunciou a contratação de mil seguranças privados para atuarem nas escolas, mais 550 psicólogos, além de reforço na ronda escolar por parte da Polícia Militar.
A questão é que, diante da urgência em apresentar iniciativas à sociedade que poderiam ter sido discutidas e tomadas muito antes, o anúncio feito pelo governo do Estado não aponta qualquer base de estudo para justificar as medidas. Os números anunciados parecem muito mais obedecer a lógica publicitária do que propriamente atender as necessidades do momento.
Não se sabe, por exemplo, se os seguranças privados serão suficientes e devidamente treinados para atuar em escolas. Uma preocupação bastante razoável em se tratando do universo infanto-juvenil.
No que se refere ao aumento da ronda escolar, não há qualquer informação de quanto seria tal ampliação e como seria feito o reordenamento do atual contingente da Polícia Militar. Dado fundamental haja vista que a PM abriga hoje 80.137 policiais, sendo o menor número de integrantes deste século. Também não se tem informação se esses novos policiais da ronda receberão treinamento especial para lidar com a comunidade escolar.
A contratação de psicólogos paras 91 diretorias de ensino, que atuarão, cada um, em até 10 escolas por semana, carece de maiores esclarecimentos. Não se sabe se o número de psicólogos alcança as demandas da extensa rede escolar estadual. Tampouco se há instalações nos equipamentos escolares para os atendimentos de modo adequado e como serão procedidos os acompanhamentos às sessões.
Todas as medidas anunciadas, em sua totalidade, são paliativas. A professora da Faculdade de Educação (FE) e pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp, Telma Vinha, apontou que mudou o perfil das investidas contra escolas, geralmente motivadas por vivências negativas e interação de jovens nos fóruns online. Agora a pesquisadora ressalta o “efeito contágio”, que ao lado de outros fatores, é gerado por raiva, ressentimentos, preconceitos, impulsividade e transtornos mentais. Tanto que o autor do massacre em Blumenau não tinha vínculo com a escola atacada.
É interessante ressaltar que a professora aponta que apenas o investimento em segurança não resolve o problema. Medidas pontuais podem causar sensação de segurança no curto prazo, mas não são a solução nos médio e longo prazos. Os Estados Unidos, por exemplo, contam com uma gigantesca indústria de segurança escolar e mesmo assim é o país com o maior número de tiroteios em escolas.
Foi, portanto, a partir deste cenário que apresentamos um requerimento de informações junto à mesa diretora da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), para que possamos conhecer e debater a adequação da adoção das medidas. Também verificar se estão sendo seguidas diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no âmbito de tais iniciativas.
E, além das medidas de caráteres preventivo e ostensivo anunciadas, há outras junto às instituições de ensino do Estado com ações para promover a cultura da paz nas escolas, como diz a Constituição?
Sem uma atuação de base na educação que pregue a convivência democrática nas escolas, as ações como as anunciadas pelo governo estadual serão pouco eficazes. Como concluiu Telma Vinha, as instituições educativas são espaços coletivos que devem se unir, escutar, dialogar, discutir e cuidar uns dos outros, “ainda mais em momentos de crises agudas”. Espaços coletivos regidos pelos valores do humanismo. Os quais, paradoxalmente, foram suprimidos da grade escolar com a reforma do ensino médio graças a redução das disciplinas das ciências humanas.
Comentários